ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ DE SARAMAGO

E pronto, já temos o “nosso” Salman Rushdie!
Caim, …caiu mesmo nas livrarias. E tal como Saramago queria, com polémica, para se vender mais!
Apesar de toda a polémica, não faço conta de o ler, porque já conheço a história do antigo testamento e como não li nenhum livro de Saramago com a excepção da “jangada de pedra” também não vou ler este, por muita publicidade que lhe façam.
Apesar disso, apetece-me deixar uma breve reflexão sobre este paradigma comercial em torno de um “conto” bíblico.
Rshdie foi ameaçado e perseguido por todo o mundo Islâmico, enquanto a única ameaça feita a José Saramago foi alguém ter tido um dia a lucidez de lhe entregar o Nobel da literatura.
Não sou, nem nunca fui, um intelectual, bem pelo contrário: prefiro os pequenos relatos de Sepúlveda, a poesia de Fernando Pessoa, os "Contos" do Eça, ou as crónicas de António Lobo Antunes, parece-me a escolha correcta.
Quanto à Bíblia, com inspiração divina ou sem ela, a civilização a que Saramago pertence divulgou coisas magníficas, como a solidariedade humana e o respeito pelo próximo, e coisas horríveis como a crueldade, a intolerância e a indiferença. A civilização a que o senhor Saramago pertence inspirou génios, como Miguel Ângelo, Mozart, … e pessoas odiosas e rancorosas.
Se olharmos a religião, qualquer religião monoteísta, é fácil concluir que os males que tem causado e continua a causar à humanidade não advêm da sua prática comum mas das interpretações fundamentalistas, fanáticas, agressivas e inumanas que os seus intérpretes lhes quiseram dar.
O mesmo não se passa com certas ideias que, não recorrendo a dogmas mais ou menos metafísicos, como o bolchevismo e o nazismo, são más em si e não consoante a interpretação que se lhes dá.
Pode argumentar-se que, de um tronco comum, estas religiões derivam, para os não crentes, de um só corpo de lendas a que o tempo, a imaginação dos homens, os azares da guerra ou as oportunidades da política foram dando formas diversas. De qualquer maneira, em todas elas é possível encontrar um código de conduta que informa positivamente o comportamento social e que só se tornará indesejável por ausência ou por perversa interpretação.
Pelo que as crenças dos outros, para quem as não aceita, serão más ou boas, não em si mesmas, mas consoante se interpretam e utilizam.
O que o senhor Saramago faz é dar à sua não crença, em princípio legítima, um valor mais fundamentalista que as mais fundamentalistas interpretações dos crentes e um conteúdo de ódio e de intolerância próprios da mais horrível mentalidade, seja qual for a escala de valores não fanáticos que se use para a classificar.
Dir-se-á, com inteira propriedade, que o Saramago é, desde sempre, uma espécie de dono de uma verdade, a sua, que, por definição por ele achada, vale muito mais que as dos outros.
Nada a estranhar, o irritado arrisca, uma interpretação algo diferente do que seria de esperar.
2009-10-21